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sábado, 24 de julho de 2010

Zé Pilintra

Zé Pilintra
A Umbanda, tal qual aquela dama que, vivendo num mundo iluminado pela riqueza e conforto, apieda-se da pobreza e vestindo-se de simplicidade, desce até ela para aliviar um pouco das dores que assolam aquelas almas deserdadas pela sorte. Talvez a mais universalista das religiões, tanto aceita alentar indiscriminadamente a todos que batem em sua porta, quanto acolhe em suas fileiras de trabalho todos os espíritos que aceitam trabalhar para a Luz. E nesse grupo não se incluem somente os iluminados mentores e guias, mas em grande número se juntam a eles, aqueles espíritos que muito erraram enquanto encarnados e que após ultrapassarem a espessa cortina da chamada morte, observam o equívoco e pedem uma chance de acertar o passo. E assim o doutor passa a ser enfermeiro, o magistrado assume feliz a condição de soldado e o famoso político aceita com humildade descer ao lamaçal e alcançar sua mão aos deformados espíritos que talvez ele mesmo tenha ajudado na decadência. As luzes dos vitrais e o ouro dos altares os impossibilita de atuarem em muitos lugares e por isso sentem-se à vontade nos humildes terreiros onde o trabalho é imenso e os trabalhadores escassos. Lá encontram falanges, onde sempre haverá alguma se adequando à sua energia. Ajudando aos estropiados, curam-se a si próprio e evoluem. E evoluindo alcançam um dia a condição de guia de luz, prosseguindo ainda assim no trabalho, pois é incessante o aprendizado.
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“Aquele médium havia chegado a pouco na corrente, chamado que foi através da dor. Estudava os primeiros passos do desenvolvimento mediúnico, sentindo-se um tanto deslocado diante dos companheiros que, com a maior desenvoltura, trabalhavam com seus guias. Seu coração, embora sofrido, irradiava amor e a seu jeito, prestava ali a caridade. Os dias passavam e naquela gira de preto velho ele sentiu uma vibração forte a envolvê-lo já na abertura do trabalho. Lembrou de seu sonho na noite anterior onde se via dançando em local iluminado pela lua cheia, ao som das palmas de uma multidão vestida de branco. Tudo corria normal, até quando foi abordado pelo dirigente do Templo, pedindo que ele se dirigisse em frente ao congá e elevasse o seu pensamento aos guias espirituais, pois havia uma entidade que precisava trabalhar ali naquela noite e o escolhera como aparelho. Um sorriso maroto, uma alegria estampada no olhar e seus pés deslizavam numa dança compassada que lembrava um exímio mestre-sala dos carnavais cariocas. Sua maneira de saudar o congá e o dirigente foi uma reverência respeitosa, mas totalmente diferenciada dos demais espíritos que ali chegavam para trabalhar. Com total desenvoltura a entidade conduzia seu aparelho mediúnico e naquela dança alegre, andou pelo terreiro sendo saudado pelos pretos velhos que em seus tocos trabalhavam na caridade. E auxiliou aos mesmos nas magias necessárias ao bom andamento dos atendimentos, socorreu e amparou com seriedade, sem no entanto, perder a graça de seus gestos descontraídos e a alegria de quem é feliz naquilo que faz, característica dessa corrente de trabalho do astral. No final dos trabalhos, com a permissão do dirigente, apresentou-se à corrente mediúnica, reverenciando-os: -Boa noite aos amigos. Este que vos cumprimenta é Zé Pilintra que a partir de hoje, com as ordens de quem vos dirige no plano espiritual, integra-se a essa corrente de trabalho, para vos auxiliar na caridade. Olhos arregalados demonstravam o nítido preconceito existente em alguns médiuns que por “achismos” e não por conhecimento, abonavam a figura desta entidade que para eles era mitológica. Captando essa energia, a entidade sorriu divertida e cantando um ponto que trazia consigo, pediu que o acompanhassem com palmas e um sorriso no rosto, pois o azedume e o julgamento não fazem parte do bom trabalho na caridade e nem combina com a Umbanda.
“Seu Zé Pilintra, onde é que o senhor mora
Seu Zé Pilintra, onde é sua morada
Eu não posso lhe dizer
Porque você não vai compreender...ê..ê
Eu nasci no Juremá
Minha morada é bem pertinho de Oxalá”
Agora mais sério, explicava para os médiuns:
-Sou um daqueles espíritos expulsos de alguns lugares como demônio e em outros, tratado como obsessor, quando observado pelos médiuns videntes, e visto que não possui a aparência desejada para ser considerado um “irmão de luz”. Fui, como tantos outros espíritos, um pecador que se endividou diante das leis maiores. Hoje, acolhido amorosamente pela Umbanda, graças a bondade divina, após razoável temporada de esgotamento energético nos locais adequados do plano espiritual. Portanto não sou “de luz”, mas optei “pela luz”. Não sou santo e minha história de vida enquanto encarnado não é um bom exemplo, mas estou retornando ao caminho. Se sou um Exu? Por que me fiz presente durante a gira de preto velho? Zé Pilintra é malandro dos morros do Rio de Janeiro? Enquanto se discutem esse tipo de coisa, se perde tempo e tempo é precioso quando o trabalho nos aguarda. Estou trabalhando na falange a qual fui atraído energeticamente e assim como nem todo preto velho obrigatoriamente foi um dia escravo, nem todo espírito que se apresenta como Zé Pilintra foi malandro de morro. Atuamos no mundo físico com as características da falange a que pertencemos, para melhor identificação o que evidentemente não é importante. O objetivo de nossa atuação, ou seja a caridade lenitiva, essa sim é importante.Para muitos, Zé Pilintra é considerado pertencente ao “povo da rua”- espíritos identificados como “ocasionais” trabalhadores da luz. Entendimentos diferenciados à parte, eu lhes digo que nomes são apenas importantes enquanto estamos encarnados e esse que aqui está como Zé Pilintra não se transformou após a morte, apenas mudou o foco e a visão da vida. Sempre fui uma pessoa alegre, descontraída e brincalhona, mesmo nos momentos mais difíceis e talvez por isso adeqüei-me a este trabalho. Não sou alcoólatra nem mulherengo como tentam formatar todos os “Zés” e por isso lhes peço respeito, bem como vosso carinho.Sorrindo, reverenciou a todos, saudou o congá e subiu, deixando no ar uma contagiante alegria.
“Agora pra sua banda vai subir...
Meu Deus ele já vai embora...
Boa noite meu senhor
Boa noite minha senhora”.
Leni W.Saviscki
Erechim, RS, março/2008

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